Reforma Tributária sobretaxa produtos da sociobiodiversidade e agrava retrocessos ambientais, aponta ÓSocioBio

Entre os principais problemas levantados está a possibilidade de produtos da sociobiodiversidade, como açaí, castanha-do-Brasil, pequi e macaúba, produzidos por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, serem taxados com uma alíquota cheia de 27,97%.
O pequi é um dos produtos que correm o risco de ficar com alíquota cheia. Foto: Bento Viana/Acervo ISPN

 

Por Dominik Giusti (comunicação ÓSocioBio) e Ana Amélia Hamdan (Comunicação ISA)

 

A Reforma Tributária em tramitação no Senado Federal, o PLP 68/2024, poderá sobretaxar produtos da sociobiodiversidade e agravar questões ambientais no Brasil.  É o que aponta nota técnica elaborada pelo Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Instituto Socioambiental (ISA) e Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), com o apoio de 53 organizações. Confira aqui.

A Nota Técnica revela que, caso aprovada como está, a reforma trará retrocessos significativos, indo na contramão das políticas públicas nacionais e dos compromissos internacionais de combate às mudanças climáticas assumidos pelo país. O estudo aponta também desigualdade tributária, apresentando informações de subsídios a setores poluentes, como a produção de agrotóxicos. 

Entre os principais problemas levantados está a possibilidade de produtos da sociobiodiversidade, como açaí, castanha-do-Brasil, pequi e macaúba, produzidos por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, serem taxados com a alíquota cheia de 27,97%.

Hoje, por exemplo, os principais estados produtores de açaí têm alíquotas que variam de 3,65% a 9,25%. Com a nova regra da Reforma Tributária, as alíquotas podem passar para até 27,97%, ou seja, pelo menos o triplo e podendendo chegar a até sete vezes! Essa mudança ameaça diretamente as economias sustentáveis que protegem florestas e promovem a biodiversidade.

“Estamos diante de uma oportunidade de repensar a tributação, mas a de Reforma Tributária desconsidera o papel estratégico da sociobioeconomia. Produtos da sociobiodiversidade são fontes de renda para comunidades e representam proteção dos nossos biomas, promovendo a biodiversidade e oferecendo serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação climática e a formação de solos férteis”, destaca Laura Souza, secretária executiva do ÓSocioBio.

O economista do ISA João Luís Abreu, um dos autores da Nota, explica: “Estamos sugerindo que povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e comunidades tradicionais sejam incluídos de maneira explícita na reforma tributária, dando a eles os benefícios garantidos aos produtores rurais. São justamente esses povos que têm práticas agrícolas e modos de vida conectados ao meio ambiente, promovendo biodiversidade e protegendo culturas. Essa também é uma forma de reconhecer a diversidade alimentar e produtiva do Brasil”.

 

Desigualdade tributária

A reforma tributária em tramitação expõe uma profunda desigualdade no tratamento fiscal entre cadeias produtivas sustentáveis e setores poluentes. Caso os produtos da sociobiodiversidade recebam isenção fiscal, a estimativa é de impacto mínimo na arrecadação nacional: apenas 0,046% ou R$ 622 milhões, segundo dados de 2023.

Esse valor quase simbólico contrasta fortemente com os R$ 7,6 bilhões de perdas fiscais previstas pela inclusão da carne na cesta básica, um setor responsável por 57% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Enquanto cadeias sustentáveis enfrentam o risco de tributação severa, setores altamente poluentes são amplamente favorecidos.

O agronegócio, por exemplo, terá 60% de isenção para o uso de agrotóxicos, e a carne, agora isenta de impostos, receberá 100% de isenção fiscal.

 

Propostas de adequação à reforma

A nota técnica sugere, entre outras medidas, as seguinte adequações no PLP 68/2024:

1 – Garantir que povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares (PIQCTAF) tenham o mesmo tratamento tributário dos demais produtores rurais beneficiados.

2 –  Garantir que produtos e serviços com origem nos territórios de extrativistas, de pescadores artesanais, de povos indígenas, de quilombolas e de comunidades tradicionais tenham o mesmo benefícios dos demais produtores rurais beneficiados.

3 – Incluir produtos já utilizados como base da alimentação cotidiana em diferentes regiões do país e que compõem cadeias de valor da sociobioeconomia na cesta básica nacional ou na lista de alimentos que têm 100% de isenção, permitindo alíquota zero sobre sua comercialização e consumo.

4 – Simplificar o processo de adesão a isenções e benefícios fiscais para pequenos produtores e cooperativas e associações de sementes nativas, da agricultura familiar e produtos da sociobiodiversidade.

 

A sociobioeconomia como estratégia nacional

A sociobioeconomia não é apenas uma alternativa sustentável, mas um setor estratégico:

  • Geração de R$ 17,4 bilhões por ano
  • Mais de 525 mil postos de trabalho criados
  • Proteção de 60 milhões de hectares de floresta, fundamentais para a biodiversidade e regulação climática

Mobilização

A partir de 03/12, o ÓSocioBio e suas organizações parceiras lançarão a campanha “Sociobioeconomia na Reforma Tributária”, nas redes sociais. A iniciativa busca mobilizar a sociedade para apoiar um imposto justo, que valorize a biodiversidade e promova justiça tributária. Acompanhe: @osociobio. 

 

Votação

Segundo a assessoria do relator, senador Braga, ele ouviu quase 200 debatedores e recebeu mais de 800 pessoas em seu gabinete para discutir o PLP 68/2024. O projeto estabelece as regras para a implementação do IVA dual, substituindo cinco tributos (ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins) por três: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em âmbito federal; Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), para estados e municípios; e o Imposto Seletivo, também federal.

O texto do relator foi subsidiado pelas contribuições do Grupo de Trabalho do PLP 68/2024 da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), coordenado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF). De acordo com o Senado, apesar de a CAE não votar o projeto, suas 21 audiências públicas e a análise de mais de 500 entidades foram fundamentais para embasar o relatório.

Após a votação na CCJ, o projeto será enviado diretamente ao plenário, podendo ser analisado no mesmo dia, caso haja consenso. Alterações no texto em relação à versão aprovada na Câmara exigirão nova apreciação pelos deputados.