Carta Aberta denuncia risco à inclusão sanitária de agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Mobilização ÓSocioBio e Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) lança segundo documento exigindo a manutenção da RDC 49/2013, norma da Anvisa que reconhece que boas práticas e conhecimentos tradicionais podem andar juntos.

Os alimentos cultivados por pequenos agricultores, indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais são produzidos em roças em meio à floresta, respeitando sistemas agrícolas e de saberes ancestrais que promovem fartura e alimentação saudável e, ao mesmo tempo, protegem o meio ambiente.   

Reconhecendo que esses conhecimentos tradicionais e boas práticas sanitárias podem andar juntos, a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 49, de 2013, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) adequou regras, promovendo a inclusão desses produtores. Mas a RDC 49/2013 está em risco e pode ser revogada. 

Em defesa da inclusão sanitária, o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSócioBio) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) vêm coordenando uma mobilização nacional para impedir a revogação da RDC 49/2013, da Anvisa, e já entregaram duas Cartas Abertas (veja link abaixo) aos órgãos competentes.

“Revogar a RDC 49 é desconsiderar todo um processo histórico de construção coletiva que reconhece o direito dos povos e comunidades tradicionais de produzir, transformar e comercializar seus alimentos com dignidade. Nossa luta é para garantir uma vigilância sanitária que respeite os saberes ancestrais, promova a inclusão e não criminalize os modos de vida que alimentam o Brasil de forma diversa, saudável e sustentável”, aponta a secretária executiva do ÓSocioBio, Laura Souza. 

A engenheira de alimentos e integrante do Eixo Economias da Sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), Bianca Tozato explica que a mobilização ÓSocioBio e FBSSAN defende que a inclusão sanitária não é apenas uma questão técnica ou de saúde pública — afinal, produtos como cigarros, bebidas alcoólicas e agrotóxicos seguem liberados no país —, mas sim uma decisão política. 

“Reconhecer e adequar as normas sanitárias à realidade da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais é fundamental para garantir o direito de produzir, transformar e comercializar seus alimentos com dignidade e segurança jurídica, promovendo acesso e soberania alimentar”, reforça.

Segundo ela, a revogação da RDC 49 representaria um grave retrocesso. “Em vez disso, é preciso avançar na construção de marcos legais e normativos que reconheçam, respeitem e viabilizem as práticas alimentares tradicionais, como o extrativismo, as roças, os modos artesanais de beneficiamento e as culturas alimentares locais — que são fundamentais para garantir diversidade, segurança nutricional e identidade cultural nos territórios”, diz.

“Ressaltamos a importância de garantir a manutenção e o fortalecimento da RDC 49/2013 da Anvisa, marco regulatório essencial para a inclusão sanitária dos alimentos da agricultura familiar e da sociobiodiversidade. Essa resolução foi fruto de um processo participativo, com ampla escuta da sociedade civil e representantes do governo, refletindo princípios constitucionais e alinhamento com políticas públicas como o Plano Brasil Sem Miséria. Sua possível revogação representaria um grave retrocesso”, completa.

ENTENDA A RDC 49/2013

Atenta às demandas dos movimentos sociais e reconhecendo que o risco sanitário da produção em grande escala é diferente do risco inerente à produção em menor escala de microempreendedores individuais, empreendimentos da economia solidária e da agricultura familiar, a Anvisa aprovou,  em 2013, após um rigoroso e amplo processo de consulta, a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 49. 

Essa resolução prevê  a inclusão social, produtiva e de boas práticas estabelecidas pelos órgãos de vigilância sanitária e, ao mesmo tempo, considera os costumes e conhecimentos tradicionais, estabelecendo um tratamento diferenciado que permite, para as atividades econômicas classificadas como baixo risco, a regularização simplificada. 

Dentro das mobilizações do ÓSocioBio e FBSSAN pela RDC 49/2013, em maio de 2024 foi enviada uma Carta Aberta dos Movimentos Sociais à Anvisa e houve uma mobilização para participação na Consulta Pública 1.249/2024. Mas as demandas não foram ouvidas. Uma nova Carta Aberta foi enviada em maio de 2025, assinada por mais de 200 organizações. 

A consulta pública 1.249, de maio de 2024, da Anvisa, propõe revisar critérios e classificação de risco de atividades econômicas, consolidando normativos como RDCs 153/2017, 418/2020, 49/2023 e IN 66/2020. 

Embora a proposta incorpore alguns artigos da RDC 49/2013, ela retira sua essência: os princípios e diretrizes. Segundo a agência reguladora, o objetivo é unificar esses marcos em uma única resolução padronizada nacionalmente, o que pode resultar na revogação da RDC 49/2013.

Essa revogação seria um equívoco, pois, apesar das alegações de boas práticas regulatórias, o processo atual – consulta pública e webinários – não reproduz a construção coletiva da RDC 49/2013.

Mesmo com o envio da Carta Aberta em 2024, a Anvisa não abriu diálogo e deu início a webinários regionais como forma de consulta, mas, segundo o ÓSocioBio, esse formato não é suficiente para garantir uma consulta ampla e inclusiva.

A segunda Carta Aberta, de maio de 2025, pede a suspensão do processo de revogação da RDC 49/2013 e também a dos webinários regionais, por entender que não possibilitam o diálogo desejado. No documento, é reivindicada a retomada de espaços de construção coletiva, a exemplo do Programa de Inclusão Produtiva e Segurança Sanitária (Praissan).

Acesse as Cartas Abertas 

Carta Aberta 2024

Carta Aberta 2025

 

Saiba mais

Roda de Conversa Inclusão Sanitária

Em 27 de junho, o FBSSAN, com o apoio do ÓSócioBio, promoveu uma Roda de Conversa sobre inclusão sanitária, com ênfase na defesa da RDC 49/ 2013, da Anvisa. Foram convidados Bibi Cintrão (Nucane/UERJ – Ceresan/UFRRJ – FBSSAN), Bianca Tozato (Ósociobio – Instituto Socioambiental) e o procurador Fernando Merloto Soave, do Ministério Público Federal – 5º Ofício da PR/AM – Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil. A moderação foi de Juliana Casemiro (FBSSAN – UERJ). A roda de conversa está disponível no canal de Youtube do FBSSAN (https://www.youtube.com/watch?v=DsNAE2rHUq4)

 

Matéria site ÓSocioBio

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