ÓSocioBio participa da construção do Plano Nacional da Sociobioeconomia

O objetivo foi contribuir para a elaboração da política pública que é instrumento da Estratégia Nacional de Bioeconomia - lançada pelo Governo Federal em 5 de junho, pelo Decreto 12.044.
Representantes do governo e de povos e comunidades tradicionais na oficina em Brasília (DF). Foto: Divulgação/MMA

 

Por Dominik Giusti (comunicação ÓSocioBio) e Tainá Aragão (comunicação WWF-Brasil)

 

Em agosto, o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) participou de forma ativa do evento Diálogos do Plano Nacional da Sociobioeconomia, realizado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). O objetivo foi contribuir para a elaboração da política pública que é instrumento da Estratégia Nacional de Bioeconomia – lançada pelo Governo Federal em 5 de junho, pelo Decreto 12.044.

O “Diálogos” está sendo realizado via oficinas regionais que buscam agregar representantes de povos e comunidades tradicionais dos diferentes biomas e territórios do Brasil, além de representantes da sociedade civil e do próprio Governo Federal para análise e sugestões às propostas da política. A ideia é construir de forma colaborativa o Plano que deverá “promover a Sociobioeconomia no Brasil como estratégia de desenvolvimento econômico, social e ambiental inclusivo, baseado no uso sustentável da biodiversidade nativa e na valorização dos territórios de Povos indígenas, Comunidades Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares, reconhecendo seus conhecimentos e valores culturais”, conforme documento apresentado durante as oficinas.

Os beneficiários diretos do Plano são associações, cooperativas cuja base produtiva e de manejo são compostas por povos e comunidades tradicionais; empresas com cadeias produtivas integradas à base produtiva da sociobioeconomia; além de comunidades e famílias. Durante o evento, foram apresentados os sistemas produtivos prioritários: extrativismo vegetal; pesca artesanal; sistemas agroecológicos; agrossilvopastoris e agroflorestais; Sistemas Agrícolas Tradicionais (SATs); agrobiodiversidade; manejo florestal comunitário familiar de uso múltiplo; meliponicultura; além de turismo de base comunitária, alimentos, artesanato, produtos fitoterápicos e cosméticos, restauração florestal e produtiva, e ações culturais.

O documento – que integrará uma política maior, o Plano Nacional da Bioeconomia – contém importantes temas para a inclusão socioprodutiva, que foram divididos em sete eixos: 

  1. Ambiente institucional, normativo e fiscal
  2. Sustentabilidade socioeconômica e ambiental dos empreendimentos econômicos comunitários
  3. Cadeias de valor, empresas e mercados éticos para a sociobiodiversidade
  4. Pesquisa, inovação e desenvolvimento tecnológico
  5. Sistema público de informações e conhecimentos
  6. Financiamento público e privado
  7. Pagamento por serviços ambientais

 

Oficinas

 

Participantes da Oficina Regional Nordeste, realizada de 31/07 a 01/08/24, em Tamandaré/PE. Foto: Divulgação/INCRA

 

Foram realizadas cinco oficinas regionais (Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, Norte I e Norte II). A primeira, de 31/07 a 01/08, em Tamandaré (PE) reuniu povos da Caatinga, Cerrado, Costeiro e Mata Atlântica e contou com a participação da secretária executiva do ÓSocioBio, Laura Souza, e do analista sênior de sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), Jeferson “Camarão” Straatmann, além de representantes do Engajamundo e  Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ). De acordo com a secretária executiva, o Governo Federal buscou fazer uma escuta ativa dos presentes.

A rede do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade reconhece a relevância do Plano Nacional de Sociobioeconomia diante das mudanças estruturais nas políticas socioambientais do Brasil. No entanto, é imprescindível enfrentar os desafios que o plano apresenta. “É essencial que o plano assegure a consulta e o envolvimento ativo dos povos e comunidades tradicionais, evitando a reprodução de modelos centralizados e desalinhados com a realidade local. Além disso, a falta de definição de fontes de financiamento compromete a implementação de ações concretas que poderiam fortalecer de fato as cadeias de produtos da sociobiodiversidade”, ressaltou Laura Souza.

Outra questão levantada foi a definição dos papeis entre o Estado, setor privado e sociedade civil, que também precisa ser melhor delineada para evitar sobreposições e garantir que as políticas cheguem à ponta, onde são realmente necessárias. “O plano, da maneira que está sendo construído, corre o risco de ser mais uma política de intenção do que uma ferramenta transformadora que traga benefícios reais para quem vive dos recursos naturais”, completou a secretária executiva.

Já na oficina Centro-Oeste, em Brasília (DF), nos dias 08 e 09/08, para os biomas Cerrado e Pantanal, participaram representantes de membros do ÓSocioBio como WWF-Brasil, Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), Articulação Pacari – Raizeiras do Cerrado, CONAQ, Núcleo do Pequi, Central do Cerrado, além de movimentos sociais como de pescadores e pescadoras artesanais, quebradeiras de coco babaçu. Para Mayk Arruda, assessor institucional da Central do Cerrado, é um avanço a construção do Plano de forma dialogada e com representatividade de povos e comunidades tradicionais de todos os biomas, mas diz que é preciso analisar problemas históricos de acesso e adequação das políticas públicas. 

“É fundamental garantir que não se crie mais um instrumento que acabe onerando as comunidades em vez de contribuir para seu desenvolvimento. Ao invés de fortalecer a participação dessas comunidades, pode-se acabar dificultando seu envolvimento efetivo e ativo. No fundo, o que está em discussão é a governança das cadeias, que são extremamente diversas e complexas”, defendeu Mayk Arruda. 

 

Mayk Arruda, assessor institucional da Central do Cerrado (de verde) durante a oficina em Brasília. Foto: Divulgação/MMA

 

Em Iperó (SP), a oficina Sul e Sudeste ocorreu nos dias 15 e 16/08, para ouvir povos da Mata Atlântica, Pampa e Costeiro. Para Henrique Kefalás, coordenador executivo do Instituto Linha D’Água – membro do ÓSocioBio – em termos de conteúdo, o que está sendo proposto pelo Governo Federal traz lacunas significativas. “Há uma desconexão entre as políticas públicas preexistentes e os eixos que o plano pretende trabalhar. Além disso, a ideia dos polos de sociobiodiversidade parece repetir a lógica dos arranjos produtivos locais, repaginando conceitos antigos sem abordar de forma concreta os gargalos que existem desde o lançamento das políticas iniciais. A sensação é de que estamos avançando pouco, sem inovações ou mudanças substanciais que respondam às necessidades atuais”, analisou.

Oficina em Iperó (SP), para as regiões Sul e Sudeste. Foto: Divulgação/MMA

A Oficina Regional Norte I foi realizada em Manaus (AM). O encontro ocorreu entre os dias 22 e 23/08 e recebeu cerca de 100 participantes, entre representantes de organizações da sociedade civil, indígenas, ribeirinhos, governos locais e demais parceiros que contribuíram para a elaboração do que será o Plano Nacional da Sociobioeconomia.

“Garantir o território” é como Francisco Flavio Ferreira do Carmo, vice-presidente da Associação dos Produtores Rurais de Carauari, sintetiza a importância da sociobioeconomia na Amazônia. Não deveria ser de outra forma, uma vez que é através da comercialização do pirarucu manejado, da borracha nativa, da agricultura familiar, da farinha e do açaí que 870 associados a esta cooperativa podem gerar renda, respeitando seus modos de vida e conservando parte da Amazônia viva.

A Oficina Regional Norte II está sendo realizada em Belém, de 03 e 06/09, para escuta e contribuições dos povos dos biomas Amazônia e Costeiro-Marinho. E ainda este ano está prevista a etapa final de elaboração do Plano, com uma Oficina Nacional a ser realizada em Brasília (DF), onde se espera que a política seja, então, consultada. Em cada etapa regional, foram escolhidos quatro representantes de Povos e Comunidades Tradicionais que irão trazer as contribuições para a política pública que poderá ser a principal política de fortalecimento das economias da sociobiodiversidade no Brasil.

Etapas para a construção do Plano

A etapa em Manaus foi a penúltima de cinco oficinas regionais que discutiram propostas que serão incluídas em um plano com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil que atuam nos biomas brasileiros, de norte a sul do país. Durante a programação em todas as oficinas, os participantes acessaram o histórico da construção dos marcos legais da sociobioeconomia.

A criação de um Plano Nacional de Sociobioeconomia não parte da estaca zero. Desde 2009, o Brasil possui um Plano Nacional para a Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade e que já apontava caminhos necessários para a agenda de sociobiodiversidade.

Para Andressa Neves, Analista de Conservação do WWF-Brasil, a corrida é para que a implementação aconteça ainda neste governo e que o Plano tenha aplicabilidade real nos territórios. “O Plano apontará como fortalecer as economias da sociobiodiversidade em todo o país. Precisamos dessa diretriz porque, sendo um instrumento legal, traz responsabilidade para o Estado ao mesmo tempo em que dá contornos para a sociedade do que será priorizado”, enfatizou.

Estratégia territorializada

Romilson Barbosa Mota, da reserva extrativista do baixo Rio Branco Jauaperi e diretor regional (Roraima) do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Foto: Tainá Aragão/WWF Brasil

O Plano Nacional da Sociobioeconomia aponta para uma estratégia de implementação territorializada, numa perspectiva de ecossistemas de negócios da sociobioeconomia. A definição desses territórios deverá levar em conta diversas camadas de informação – presença de territórios tradicionais e empreendimentos comunitários (formais ou não), logística, histórico de relações sociais, incidência de recortes territoriais de outras políticas, com o intuito de favorecer e dinamizar as economias da sociobiodiversidade.

Lila Lindoso, coordenadora de Estímulo à Bioeconomia na Secretaria Nacional de Bioeconomia (MMA), explicou que as propostas dos chamados Territórios da Sociobioeconomia e dos Polos seriam modelos de gestão territorial e serviriam como um pilar de apoio ao fomento da sociobioeconomia nos territórios.

“Os Polos de Sociobioeconomia viriam, então, exercer o papel de ativação desses ecossistemas, promovendo mentoria de gestão aos empreendimentos comunitários, capacitações e formações, o intercâmbio entre os empreendimentos, gestores de políticas públicas, setor privado, ecossistemas de inovação, agentes financeiros, promovendo o acesso a políticas públicas, aos mercados privados, ao sistema financeiro, enfim, exercendo um papel de ‘costura’ entre os diversos atores necessários para o desenvolvimento da sociobioeconomia”, explicou Lindoso.

Os Polos da Sociobioeconomia estão sendo concebidos durante o processo de construção colaborativa do Plano Nacional e apontam para os arranjos de implementação, gestão e controle social, o papel do Estado, o papel dos empreendimentos e comunidades, os principais serviços a serem oferecidos pelos pólos e a integração com outras iniciativas já existentes nos territórios.

Através da estratégia dos pólos, o Plano de Sociobioeconomia também pretende fortalecer nos territórios algumas políticas já existentes, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), como também a Política de Pagamento por Serviços Ambientais e a Lei da Biodiversidade, que regulamenta o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados.

Para Romilson Barbosa Mota (foto), da reserva extrativista do baixo Rio Branco Jauaperi e diretor regional (Roraima) do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), “os extrativistas precisam estar inclusos em uma cadeia produtiva e com preço justo dos seus produtos, isso é urgente para a Amazônia e para o Brasil se quisermos continuar falando de Floresta em pé”, defendeu.