Por Dominik Giusti (comunicação ÓSocioBio)
O papel central dos saberes tradicionais na promoção de soluções sustentáveis e inovadoras para os desafios climáticos e sociais foi a principal mensagem dos convidados da mesa “Conhecimentos tradicionais no Sistema Nacional de Inovação: destravando caminhos para a construção de uma sociobioeconomia brasileira”, realizada pela WTT e pela Plataforma Cipó em 14/11, no Rio de Janeiro, durante o G20 Social. O Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) esteve presente com a secretária executiva Laura Souza.
Especialistas ressaltaram a urgência de políticas públicas inclusivas que conectem inovação às realidades locais, valorizando o conhecimento dos povos e comunidades tradicionais como um ativo estratégico para a sociobioeconomia brasileira. Gaston Kremer, da WTT, que mediou a mesa, reforçou a necessidade de uma abordagem ética e colaborativa dentro do Sistema Nacional de Inovação (SNI).
Para ele, o sucesso das políticas de inovação depende da participação efetiva das comunidades nos processos de pesquisa e desenvolvimento. “É preciso colocar os saberes tradicionais no centro das soluções e mudar como financiamos e reconhecemos pesquisas”, disse.
Para Lívia Pagotto, secretária executiva da Uma Concertação da Amazônia, apesar do potencial da região como fonte de soluções inovadoras, não há investimentos suficientes em ciência e tecnologia no bioma. Essa realidade, segundo ela, reforça a urgência de incluir a Amazônia no centro das formulações sobre o futuro do Brasil. “Há um contexto urbano rico, mas cheio de gargalos, que também precisa ser considerado. Temos que sonhar mais e, ao mesmo tempo, construir caminhos concretos para que a inovação esteja verdadeiramente conectada aos territórios”, concluiu.
A conexão entre inovação e os saberes dos territórios foi um dos pontos mais debatidos. Laura Souza, secretária executiva do ÓSocioBio, destacou a importância de reconhecer os conhecimentos locais como parte fundamental das discussões sobre ciência e tecnologia. Para ela, o conceito de bioeconomia deve ir além da teoria, refletindo as economias que emergem dos modos de vida das comunidades. “O conceito de bioeconomia precisa incluir inovação e conhecimentos tradicionais. É nos territórios que as economias sustentáveis nascem”, afirmou.
Essa necessidade de uma abordagem prática e integrada foi reforçada por Júlio Barbosa, extrativista da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, que chamou atenção para o conhecimento que as comunidades possuem sobre o uso medicinal das plantas e a preservação da biodiversidade, por exemplo. Ele criticou o modelo econômico atual, que ainda comercializa produtos in natura a preços injustos, sem agregar valor. Para Julio, a inovação deve respeitar e incorporar os saberes locais.
“Conhecemos cada planta e sua serventia, mas precisamos de políticas que valorizem nosso conhecimento e nos incluam nos processos de decisão”, apontou. Ele também destacou a experiência da Escola Casa Familiar Agroextrativista, que alia aprendizado prático e teórico para fortalecer as comunidades, como exemplo de uma abordagem educacional transformadora.
Saber tradicional e clima
A importância de integrar tecnologias emergentes às soluções climáticas também foi abordada. Lennon Medeiros, da Coalizão Clima de Mudança, destacou como a inteligência artificial (IA) pode ser uma ferramenta poderosa para mitigar crises, como a seca na Amazônia, desde que respeite e se integre aos conhecimentos tradicionais. “A IA pode ajudar a enfrentar crises, mas só terá impacto se estiver alinhada aos saberes das comunidades. Precisamos construir estratégias justas que aproveitem a vocação brasileira para a bioeconomia”, afirmou.
Fechando as reflexões, Yuri Felipe, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e assessor do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), destacou a necessidade de ampliação dos investimentos em bolsas de pesquisa para estudantes indígenas e lideranças comunitárias, garantindo que as realidades locais sejam representadas na academia. Ele citou o exemplo do Programa Indígena de Permanência e Oportunidades na Universidade (PIPOU), gerido pelo ISPN, e argumentou que, embora o número de estudantes indígenas tenha crescido nas universidades, ainda faltam recursos para sustentar esse avanço. “Precisamos investir em lideranças que conectem o conhecimento tradicional à ciência, representando a diversidade dos territórios”, pontuou.
Ao longo do debate, ficou evidente que o futuro da sociobioeconomia brasileira depende de um sistema de inovação que reconheça a riqueza dos territórios e dos povos tradicionais como parte integrante das soluções. Com a COP 30 no horizonte, os participantes reforçaram a oportunidade de posicionar o Brasil como líder global em soluções climáticas e sustentáveis, ancoradas na valorização dos saberes locais e na potencialidade transformadora das comunidades tradicionais.
Sistema Nacional de Inovação
O Sistema Nacional de Inovação (SNI) do Brasil é um conjunto de instituições, públicas e privadas, e relações que interagem para produzir, difundir e usar conhecimento novo e útil economicamente. O SNI tem como objetivo estimular a inovação, a pesquisa e o desenvolvimento em diversos setores da economia.
O SNI é regulamentado por órgãos governamentais, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). As decisões são compartilhadas entre diferentes atores, como o setor público, o setor privado, instituições de pesquisa e universidades.
Filantropia comunitária e justiça climática
A filantropia no Brasil enfrenta um grande desafio: fazer com que recursos cheguem, de forma desburocratizada, às comunidades e aos territórios onde são mais necessários. Esse foi o foco das discussões na mesa “Fundos Locais e Filantropia Comunitária”, promovida pela Rede Comuá e realizada no dia 15/11, durante o G20 Social, no Rio de Janeiro.
O evento organizado pela Rede Comuá reuniu organizações como o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA), Fundo Casa Socioambiental, a Casa Fluminense, a Iniciativa PIPA e o Instituto Papo Reto. Essas organizações, que também são membros da Rede Comuá e das redes de filantropia comunitária Aliança Territorial e Alianza Socioambiental Fondos del Sur, reforçam a importância da colaboração para fortalecer comunidades e promover ações sustentáveis em territórios diversos.
A tônica das falas foi clara: a filantropia ainda opera em ciclos de poder que perpetuam desigualdades, dificultando que o dinheiro alcance as iniciativas que fazem a diferença nas comunidades mais vulneráveis. Para enfrentar esse cenário, os representantes das organizações trouxeram relatos e propostas focadas em soluções efetivas.
Os participantes da mesa foram unânimes em reforçar que a crise climática tem um impacto desproporcional sobre as comunidades periféricas e negras. O conceito de racismo ambiental – que expõe como esses territórios são os mais afetados e os que menos recebem recursos – também esteve em debate.
Sobre o G20 Social
O G20 Social marca essa abordagem durante a presidência brasileira do G20, com o lema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”. O objetivo é ampliar a participação de atores não-governamentais nos processos decisórios do G20, grupo de 19 países e União Europeia e União Africana que se reúne anualmente para debater questões geopolíticas e econômicas.
O G20 Social inclui 13 grupos de engajamento: C20 (sociedade civil), T20 (think tanks), Y20 (juventude), W20 (mulheres), L20 (trabalho), U20 (cidades), B20 (empresas), S20 (ciências), Startup20 (startups), P20 (parlamentos), SAI20 (tribunais de contas), além dos novos J20 (cortes supremas) e O20 (oceanos). As contribuições da sociedade civil poderão ser analisadas e incorporadas à Declaração de Líderes, quando houver consenso. O documento foi lançado no dia 16/11, também no Rio de Janeiro, durante evento de encerramento do G20 Social. Veja a íntegra da declaração aqui.