Estratégia Nacional de Bioeconomia: que caminhos o Brasil está seguindo?

Decreto 12.044/2024 que instituiu a Estratégia Nacional de Bioeconomia foi lançado no dia 5 de junho, em celebração ao Dia Mundial do Meio Ambiente.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a apresentação e coletiva de imprensa por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, com a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, no Palácio do Planalto. Brasília - DF.

Foto: Ricardo Stuckert / PR

As políticas de bioeconomia no Brasil têm sido articuladas com vigor desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu seu terceiro mandato, em 2023. O primeiro passo foi a criação da inédita Secretaria Nacional de Bioeconomia no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), para viabilizar o crescimento econômico aliado à conservação da biodiversidade, com preceitos de justiça social, e a liderança da Iniciativa de Bioeconomia, no G20

Neste ano, a novidade é o Decreto 12.044/2024 que instituiu a Estratégia Nacional de Bioeconomia, lançado no dia 5 de junho, em celebração ao Dia Mundial do Meio Ambiente. O decreto estabelece as diretrizes e os objetivos da Estratégia e prevê a implementação do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia e do Sistema Nacional de Informações e Conhecimento sobre a Bioeconomia. Com esse decreto, nos perguntamos: que caminhos o país está seguindo?

A Estratégia promete promover cadeias de produtos, processos e serviços, com foco na descarbonização e incentivo à bioindustrialização – em articulação com a sociedade civil e o setor privado. Construído pelo MMA e ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) e da Fazenda (MF), o decreto é um passo importante, mas parece seguir uma abordagem que pretende, em essência, aliar recursos biológicos e tecnologias avançadas. 

A Estratégia recém-publicada é um dos instrumentos regulatórios que constam como produtos do Plano de Transformação Ecológica do Governo Federal, que estabelece as bases para a transição para uma economia de baixo carbono e resiliente ao clima no país, e tem um eixo dedicado exclusivamente à bioeconomia e sistemas agroalimentares. Mas, nota-se no decreto, a falta uma ênfase real na valorização dos saberes e fazeres de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, que são os verdadeiros guardiões da biodiversidade brasileira. 

Há uma evidente ausência de um compromisso concreto com a inclusão das práticas ancestrais e sustentáveis desses povos. O Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) analisa que a política de bioeconomia deve ir além de apenas mencionar o respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, devendo, na verdade, integrá-los ativamente como protagonistas no processo de desenvolvimento econômico sustentável. 

Por entender que a bioeconomia é um importante fator de inclusão social e desenvolvimento regional, o decreto menciona o incentivo à inserção de mulheres e jovens na atividade, a formação e capacitação profissional para promoção do empreendedorismo e o respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais à autodeterminação e ao uso e gestão tradicional de seus territórios. 

“No entanto, é essencial que essas diretrizes sejam mais do que meras declarações de intenção e se traduzam em políticas efetivas que valorizem os conhecimentos tradicionais como elementos centrais das economias da sociobiodiversidade, que se constituem a partir de uma profunda relação com o território. É preciso compreender também que isso demanda diferentes olhares que considerem os diferentes biomas e peculiares modos de vida no país”, destaca Laura Souza, secretária executiva do ÓSocioBio. 

O que se prevê no decreto é a promoção das economias florestal e da sociobiodiversidade, “a partir da identificação, da inovação e da valorização do seu potencial socioeconômico, ambiental e cultural, com a ampliação da participação nos mercados e na renda dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos agricultores familiares”, diz o texto do normativo. 

O decreto também alinha suas ações com a Nova Indústria Brasil (NIB), reforçando a importância da bioindustrialização no contexto da economia verde. Outro ponto é a articulação de políticas que promovam o uso sustentável dos recursos naturais e a valorização dos serviços ecossistêmicos nos processos econômicos e produtivos, assegurando a repartição justa dos benefícios decorrentes do uso do patrimônio genético e do conhecimento tradicional.

Implementação

A Estratégia Nacional de Bioeconomia estabelece um prazo de 30 dias para a criação da Comissão Nacional de Bioeconomia, encarregada de construir o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia. “Defendemos que essa Comissão inclua representantes de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, assegurando que suas vozes sejam ouvidas e seus conhecimentos respeitados e incorporados”, enfatiza Laura Souza. O decreto estabelece ainda que o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia deverá ser elaborado no prazo de 60 dias, contado da instituição da Comissão Nacional de Bioeconomia. 

Já o Sistema Nacional de Informações e Conhecimento sobre a Bioeconomia será um sistema destinado à coleta, tratamento e armazenamento de informações e conhecimentos sobre bioeconomia e seus fatores intervenientes. Esse sistema visa subsidiar a atuação do Poder Público e da sociedade civil na implementação da Estratégia Nacional de Bioeconomia e do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima será responsável por implementar o Sistema Nacional de Informações e Conhecimento sobre a Bioeconomia, estabelecendo os prazos e procedimentos necessários para sua efetivação. Além disso, o Ministério poderá estabelecer cooperação e parcerias com instituições públicas e privadas para apoiar a implementação do sistema.

Definição conceitual

Parte importante da Estratégia é o estabelecimento de uma definição conceitual para o termo bioeconomia, descrita de seguinte forma: “o modelo de desenvolvimento produtivo e econômico baseado em valores de justiça, ética e inclusão, capaz de gerar produtos, processos e serviços, de forma eficiente, com base no uso sustentável, na regeneração e na conservação da biodiversidade, norteado pelos conhecimentos científicos e tradicionais e pelas suas inovações e tecnologias, com vistas à agregação de valor, à geração de trabalho e renda, à sustentabilidade e ao equilíbrio climático”. 

O ÓSocioBio defende, no âmbito das discussões conceituais o, a definição de economias da sociobiodiversidade, por se tratar de “economias de povos e comunidades tradicionais, baseadas na diversidade, no conhecimento tradicional e na inovação, nos sistemas socioprodutivos locais e nos produtos e serviços gerados a partir de recursos da biodiversidade, conectados a seus modos de vida, à valorização das suas práticas e saberes, e à melhoria na qualidade de vida e bem viver das comunidades em seus territórios e maretórios”. Essas economias promovem a geração de renda, garantem a segurança alimentar e nutricional, e possuem um enorme potencial para impulsionar mercados de produtos originários do agroextrativismo.

 

Sobre o ÓSocioBio

O Observatório das Economias da Sociobiodiversidade é uma rede que nasceu em meio ao contexto político-eleitoral, em junho de 2022, para demarcar um espaço em defesa das economias dos povos e comunidades tradicionais e de seus territórios. Atua como um interlocutor necessário na construção e fortalecimento de políticas públicas orientadas para a sociobiodiversidade, agregando experiências, conhecimentos, habilidades e capacidades dos membros, parceiros e colaboradores. A rede tem como princípios a valorização do conhecimento tradicional e das inovações oriundas deles, das relações justas com os povos, a garantia da soberania alimentar.