Mobilização alerta que retrocesso na inclusão sanitária põe alimentação saudável em risco

Roda de conversa promovida pelo ÓSocioBio e FBSSAN defende manutenção da RDC 49/2013, que promove a inclusão sanitária. Tema deve ser tratado como política pública, afirmam especialistas.

A inclusão sanitária e a importância desse tema ser tratado como política pública foram discutidos durante roda de conversa virtual promovida pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) com apoio do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio). O encontro reuniu representantes da sociedade civil, academia e Ministério Público Federal, em 27 de junho, destacando os riscos de retrocesso com a possível revogação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 49/2013, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

Essa discussão sobre a inclusão sanitária pode parecer distante do dia a dia, mas está bem próxima e interfere nos alimentos que chegam à nossa mesa.  “As normas estão dificultando que a comida de verdade, sem agrotóxico e produzida localmente, chegue à população. E isso acaba favorecendo a oferta de ultraprocessados”, alertou a nutricionista Bibi Cintrão, que integra o Núcleo de Alimentação e Nutrição em Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Nucane/Uerj); o Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Ceresan/UFRRJ) e o FBSSAN.

Já a engenheira de alimentos Bianca Tozato, reforçou que a RDC 49/2013 representa avanços relevantes na luta por soberania e segurança alimentar, ao promover a inclusão dos saberes e práticas produtivas de povos e comunidades tradicionais. Mas corre o risco de ser revogada, como explicado abaixo. 

A temática da inclusão sanitária deve ser abordada como uma questão política, e não apenas técnica ou de saúde pública, como destacou Bianca Tozato, que integra o Eixo Economias da Sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA). Ela foi uma das convidadas da roda de conversa. 

“Essa não é só uma questão técnica ou de saúde, mas sim uma decisão política. Afinal, produtos como cigarros, bebidas alcoólicas e agrotóxicos seguem liberados no país”, pondera. 

Bibi Cintrão reforça essa questão. “A discussão sobre normas sanitárias revela que, embora apresentadas como técnicas neutras e baseadas em ciência, na prática elas refletem disputas econômicas, culturais e sociais. Essas normas muitas vezes favorecem a concentração de mercado e a exclusão de pequenos produtores, especialmente agricultores familiares, povos tradicionais e comunidades indígenas”, afirmou a nutricionista.

O procurador Fernando Merloto Soave, do Ministério Público Federal no Amazonas, um dos coordenadores da Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil, que é a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos, também participou como convidado e compartilhou sua experiência.  

Entre outras ações, a Catrapovos busca a adequação de políticas públicas de aquisição de alimentos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), à realidade local dos povos e comunidades tradicionais. A mesa de diálogo tem como semente a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), iniciada a partir do relato do povo Yanomami de dificuldade no acesso à alimentação escolar. 

Uma das notas técnicas elaboradas pela Catrapovos permitiu a dispensa de exigências sanitárias em casos específicos para compras diretas em comunidades indígenas. “Houve a nota técnica dispensando a norma sanitária. E isso tem gerado resultados fantásticos. Inclusive com relatos das pessoas da saúde indígena relatando melhorias”, disse Merloto.

Segundo Soave, os impactos positivos vão além da alimentação. “As pessoas estão vendendo alimentos para o PAA e PNAE. Isso incentiva a produção. E quem trabalha nisso não vai se envolver com criminalidade. Geralmente gera renda e o jovem não precisa mais ir para a cidade. Também tem uma perspectiva de ficar no território. Enfim, todo um ciclo virtuoso.”

Ele defende que a flexibilização da norma seja expandida para a agricultura familiar como um todo.  

Ao final, ficou o consenso de que a inclusão sanitária deve ser tratada como política de Estado, articulada entre ministérios e guiada pelo reconhecimento da diversidade cultural e pelo direito à alimentação saudável e sustentável.  

MOBILIZAÇÃO

Frente à ameaça de revogação da RDC 49/2013, o ÓSocioBio e o FBSSAN vêm promovendo uma mobilização por sua manutenção. 

Em maio de 2024, foi enviada uma carta aberta à Anvisa, assinada por organizações da sociedade civil. No entanto, as demandas não foram ouvidas. Uma nova carta aberta foi enviada em maio de 2025, desta vez assinada por mais de 200 organizações.

A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 49, de 2013, foi aprovada pela Anvisa após demandas dos movimentos sociais e reconhecendo que o risco sanitário da produção em grande escala é diferente do risco inerente à produção em menor escala de microempreendedores individuais, empreendimentos da economia solidária e da agricultura familiar. 

Essa resolução prevê a inclusão social, produtiva e de boas práticas estabelecidas pelos órgãos de vigilância sanitária e, ao mesmo tempo, considera os costumes e conhecimentos tradicionais, estabelecendo um tratamento diferenciado que permite, para as atividades econômicas classificadas como baixo risco, a regularização simplificada. 

A consulta pública 1.249, de maio de 2024, da Anvisa, propõe revisar critérios e classificação de risco de atividades econômicas, consolidando normativos como RDCs 153/2017, 418/2020, 49/2023 e IN 66/2020. 

Embora a proposta incorpore alguns artigos da RDC 49/2013, ela retira sua essência: os princípios e diretrizes. Segundo a agência reguladora, o objetivo é unificar esses marcos em uma única resolução padronizada nacionalmente, o que pode resultar na revogação da RDC 49/2013.

Essa revogação seria um equívoco, pois, apesar das alegações de boas práticas regulatórias, o processo atual – consulta pública e webinários – não reproduz a construção coletiva da RDC 49/2013.

A luta, portanto, continua.  Para os participantes da roda de conversa FBSSAN e ÓsocioBio, é essencial garantir que as decisões sobre normas sanitárias incluam a escuta das comunidades afetadas, valorizem os saberes tradicionais e promovam justiça social.

Roda de Conversa Inclusão Sanitária está disponível no Youtube

Em 27 de junho, o FBSSAN, com o apoio do ÓSócioBio, promoveu uma Roda de Conversa sobre inclusão sanitária, com ênfase na defesa da RDC 49/ 2013, da Anvisa. Foram convidados Bibi Cintrão (Nucane/UERJ – Ceresan/UFRRJ – FBSSAN), Bianca Tozato (Ósociobio – Instituto Socioambiental) e o procurador Fernando Merloto Soave, do Ministério Público Federal – 5º Ofício da PR/AM – Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil. A moderação foi de Juliana Casemiro (FBSSAN – UERJ). A roda de conversa está disponível no canal de Youtube do FBSSAN