(Foto: Graccho/SGPR)
A pauta da soberania alimentar e do acesso à alimentação saudável ganharam um reforço. Entidades que compõem a rede do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) passaram a ter representação no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), trazendo o tema das economias da sociobiodiversidade, promovida por povos e comunidades tradicionais, como alicerce fundamental da segurança alimentar e nutricional e da justiça climática.
Este ano, a primeira plenária do conselho foi realizada entre 11 e 13 de junho, em Brasília, marcando a retomada oficial de um dos espaços mais importantes para a construção de políticas públicas voltadas ao direito humano à alimentação. A nutricionista Elisabetta Recine, especialista em saúde pública e professora do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília, assumiu a presidência do Consea Nacional para o mandato 2025-2027. Durante o encontro, houve a posse das organizações da sociedade civil para esse mesmo período.
Na plenária estavam presentes diversas organizações fundamentais para essa agenda, como o Instituto Socioambiental (ISA), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), ACT Promoção da Saúde, FIAN Brasil, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Em maio de 2025, o Diário Oficial da União publicou o decreto que nomeia a nova composição da sociedade civil do Consea. Leia aqui.
A secretária-executiva do ÓSocioBio, Laura Souza, ressaltou a relevância desse momento. “Este é um espaço essencial para que as vozes dos povos e comunidades tradicionais sejam ouvidas e respeitadas, pois os modos de vida dessas pessoas permitem, ao mesmo tempo, o cultivo de alimentos saudáveis e a conservação dos biomas. A participação de organizações que compõem a rede ÓSocioBio no CONSEA é estratégica para consolidar políticas que conectem segurança alimentar, justiça climática e valorização da sociobiodiversidade”, disse.
A reunião contou com grupos de discussão que definiram as prioridades para o próximo período de trabalho do CONSEA. Entre os principais pontos debatidos esteve o descontentamento coletivo com o orçamento público destinado à segurança alimentar e nutricional.
Políticas públicas fundamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), seguem com financiamento abaixo do necessário, com crescente dependência de emendas parlamentares, o que fragiliza a continuidade e o alcance das políticas.
O PAA é um exemplo de política pública que, ajustada à realidades dos territórios, pode fortalecer os sistemas agrícolas dos povos e comunidades tradicionais e seus modos de vida. Esses sistemas não apenas produzem alimentos saudáveis, como também preservam o meio ambiente, promovendo a manutenção de ciclos hídricos, sequestro de carbono, regeneração do solo e conservação da biodiversidade.
Outro tema central apresentado foi a defesa da RDC 49/2013 da ANVISA, marco regulatório que assegura a inclusão sanitária dos alimentos oriundos da agricultura familiar e da sociobiodiversidade.
A engenheira de alimentos Bianca Tozato, que integra o Eixo Economias da Sociobiodiversidade do ISA e também faz parte da coordenação executiva do OSocioBio, representando as instituições no CONSEA, participou da plenária e falou sobre a norma, que corre o risco de ser revogada, o que representa um grave retrocesso.
Ela ressaltou que a inclusão sanitária não é apenas uma questão técnica, mas sobretudo política. “Enquanto produtos nocivos à saúde seguem liberados, há severas restrições aos alimentos beneficiados por arranjos produtivos da Agricultura Familiar, Economia Solidária e de Povos e Comunidades Tradicionais. Ajustar as normas à realidade desses produtores é essencial para fortalecer a soberania alimentar e combater a insegurança alimentar e nutricional”, disse.
Para Bianca Tozato, é necessário avançar na construção de marcos que reconheçam e valorizem os modos tradicionais de produção, que garantem diversidade, identidade cultural e nutrição de qualidade. “A RDC 49 é fruto de anos de diálogo e participação social. Sua revogação significaria negar o direito de agricultores familiares e de povos e comunidades tradicionais produzirem e comercializarem seus alimentos com dignidade”, alertou.
Ao longo dos três dias de trabalho, foram construídas propostas estratégicas para a próxima plenária e delineadas articulações com outros conselhos nacionais que atuam em pautas convergentes, como meio ambiente, saúde e desenvolvimento rural.
Extinto em 2019, o Consea foi retomado em 2023, no início da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Órgão de assessoramento imediato à Presidência da República, o Consea é um importante espaço institucional para a participação e o controle social na formulação, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Um terço dos representantes são governamentais e dois terços, da sociedade civil organizada.
Para Laura Souza, a retomada das plenárias do CONSEA trazem a oportunidade de consolidar políticas públicas que reconheçam o papel dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, extrativistas e agricultores familiares na produção de alimentos saudáveis e na preservação do meio ambiente.
“Seguiremos com o compromisso e a responsabilidade de contribuir com este espaço estratégico. Nosso desafio é garantir que as políticas públicas reflitam a potência da sociobiodiversidade e assegurem o direito humano à alimentação adequada”, finalizou a secretária-executiva do ÓSocioBio.