PPCerrado recebe contribuições do ÓSocioBio

Alertas de desmatamento aumentaram 149% em setembro deste ano na comparação com o mesmo mês em 2022, passando de 273 km2 para 680 km2. Foto: Adriano Gambarini/WWF Brasil

Com o objetivo de contribuir na construção do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPCerrado) – 4ª Fase (2023-2027), o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) elaborou propostas à consulta pública aberta pelo Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

documento disponibilizado para a consulta, que ocorreu de 13 de setembro e 13 de outubro de 2023, foi lido e discutido por membros do observatório, que fizeram suas colaborações para reestruturar a redação do Plano, a fim de adequá-la às políticas públicas monitoradas pela rede e às necessidades dos povos e comunidades tradicionais.

A busca pela participação da sociedade ocorre em meio à divulgação de dados alarmantes: o DETER, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontou que os alertas de desmatamento aumentaram 149% em setembro deste ano na comparação com o mesmo mês em 2022, passando de 273 km2 para 680 km2. O acumulado de 2023 do desmatamento no Cerrado também é bem superior ao registrado no mesmo período no ano passado, com alta de 27% no total de alertas identificados entre janeiro e setembro.

A expectativa é que a 4ª fase do PPCerrado seja implementada em cinco anos (entre 2023 e 2027), de acordo com a execução do Plano Plurianual (PPA), e está estruturada em quatro eixos:

 

1️⃣ Eixo I – Atividades produtivas sustentáveis;

2️⃣ Eixo II – Monitoramento e controle ambiental;

3️⃣ Eixo III – Ordenamento fundiário e territorial; e

4️⃣ Eixo IV – Instrumentos normativos e econômicos.

 

O PPCerrado é um instrumento que apresenta diretrizes a todos os ministérios e demais órgãos do executivo federal para que o Brasil alcance o desmatamento zero até 2030. “Fortalecer as políticas públicas voltadas às economias da sociobiodiversidade é essencial para garantir a regeneração do bioma, por isso nossa colaboração nesta política”, explica Laura Souza, secretária executiva do ÓSocioBio.

 

As contribuições do Observatório concentraram-se nos eixos I e IV.  “Nosso esforço foi no sentido de enfatizar que povos e comunidades tradicionais são detentores de conhecimentos e possuem práticas de manejo da terra que não degradam os recursos naturais. Com isso, ajudam a conservar nosso patrimônio de biodiversidade deste bioma tão ameaçado”, comenta a secretária executiva. 

 

Uma das principais recomendações do grupo foi a inclusão da palavra sociobiodiversidade logo após o uso do termo “sociobioeconomia” em todo o documento, para demarcar uma posição conceitual e prática a respeito das atividades econômicas em territórios de povos e comunidades tradicionais, de acordo com as orientações designadas no Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade, de 2009, que está vinculado à promoção do desenvolvimento sustentável, geração de renda e justiça social no Brasil.

 

Recomendações

O ÓSocioBio recomendou, no Eixo I – “Objetivo 1. Promover a sociobioeconomia e a sociobiodiversidade, o manejo florestal sustentável e a recuperação de áreas desmatadas ou degradadas: voltado à necessidade de ampliação dos direitos e espaços de produção da sociobiodiversidade e da sociobioeconomia” a inclusão da redação final com “[…] manejados e produzidos por povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares (PIPCTAFs)”.

 

No Quadro-Síntese dos objetivos estratégicos, resultados esperados e linhas de ação, foram apresentadas as seguintes recomendações (em negrito):

 

 

Quadro Síntese Eixo I – Atividades Produtivas Sustentáveis
Objetivos Estratégicos Resultados esperados Linhas de Ação
1. Promover a sociobioeconomia e a sociobiodiversidade o manejo florestal sustentável e a recuperação de áreas desmatadas ou degradadas prioritariamente em áreas manejadas e produzidas por PIPCTAFs 1.1 Bioeconomia, sociobiodiversidade e transição agroecológica ampliadas e fortalecidas no Cerrado 1.1.1. Elaborar e implementar programas e ações de apoio à bioeconomia e a sociobiodiversidade no Cerrado
1.1.2. Fortalecer, ampliar e adequar  as políticas e programas de compras governamentais (PAA, PNAE, PGPM, PGPM-Bio e Selo da Agricultura Familiar)
1.1.3. Promover negócios sustentáveis fortalecendo a bioeconomia e a sociobiodiversidade, transição agroecológica e etnodesenvolvimento valorizando os modos de vida de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares em seus territórios
1.1.4 Criar empregos verdes formais que considerem a diversidade cultural e social com amparo legal aos trabalhadores e trabalhadoras extrativistas, assim como reconheça os serviços de conservação e promoção de serviços ecossistêmicos que os extrativistas exercem
1.1.5 Criação de um seguro climático para os PIPCTAFs como garantia de safra baseado na política de garantia de preços mínimos para os produtos da sociobiodiversidade em casos de eventos climáticos como: secas, inundações, chuvas intensas, temperaturas extremadas, incêndios, entre outros
1.2. Turismo de natureza, etnoturismo e turismo regenerativo para o Cerrado fomentados e incrementados 1.2.1. Ampliar e apoiar o turismo de natureza, rural, de base comunitária e em áreas protegidas, valorizando as práticas e os saberes de PIPCTAFs
1.3. Manejo florestal sustentável ampliado 1.3.1 Promover o manejo florestal sustentável e as boas práticas de produção para a exploração econômica das espécies nativas madeireiras e não madeireiras e da fauna como a produção de mel e pólen de abelhas nativas, entre outras
1.4. Restauração florestal por meio de concessões e silvicultura de espécies nativas e iniciativas de recuperação da

vegetação nativa implementadas

1.4.1. Promover a restauração florestal e a recuperação da vegetação nativa, contribuindo para a redução da degradação, a conservação da biodiversidade, o aumento de estoques de carbono, a manutenção dos serviços ecossistêmicos, a geração de emprego e renda no Cerrado e a valorização dos conhecimentos tradicionais e modos de vida de PIPCTAFs.
2. Estimular atividades agropecuárias sustentáveis 2.1. Agropecuária sustentável ampliada 2.1.1. Incentivar a pecuária, a produção sustentável de grãos, a silvicultura e demais monocultivos, com a diminuição da pressão sob áreas críticas de desmatamento, assegurando a promoção social, ambiental e econômica da agropecuária, respeitando as áreas protegidas e suas zonas de amortecimento.
2.1.2. Fortalecimento e ampliação do acesso a mercado e às políticas públicas de PIPCTAFs
2.1.3. Disseminar a abordagem do manejo integrado do fogo, incluindo práticas de prevenção, alternativas ao uso do fogo e substituição do uso do fogo para fins agropecuários.
3. Ampliar a pesquisa, a produção de conhecimento, a formação e a assistência técnica para as atividades produtivas sustentáveis 3.1. Pesquisa, formação, capacitação e conhecimento para uso e conservação ampliados e disseminados 3.1.1. Produzir conhecimento, disseminar informação, conscientizar, formar e capacitar os diferentes agentes sociais para a importância da conservação, dos serviços ecossistêmicos e pagamentos de serviços ambientais, da adoção de práticas produtivas e o consumo sustentáveis para a redução do desmatamento e dos incêndios florestais no Cerrado.
3.2. Assistência técnica fortalecida e ampliada com atendimento inclusivo e práticas diversificadas 3.2.1. Fortalecer e ampliar a oferta de assistência técnica por meio de entidades executoras de Ater, assegurando o atendimento inclusivo e a incorporação de modelos de assistência voltados às práticas sustentáveis, à conservação e à redução do desmatamento.
3.2.2 Ampliar e qualificar a ATER adequada aos PIPCTAFs para o acesso às políticas

públicas de apoio à produção e à comercialização de seus produtos

3.2.3 Construir um programa de ATER para as juventudes de modo a garantir a permanência e sucessão rural qualificada.
3.2.4 Capacitação de técnicos de ATER para atender PiPCTAFs e para trabalhar com produtos da sociobioeconomia e da sociobiodiversidade do Cerrado
3.3. Direitos e garantias de acesso aos recursos naturais fortalecidos e ampliados em articulação com os estados 3.3.1 Ampliar o acesso dos PIPCTAFs aos recursos naturais     necessários à segurança alimentar e à renda familiar.
Quadro Síntese Eixo IV – Instrumentos normativos e econômicos
Objetivos Estratégicos Resultados esperados Linhas de Ação
12. Criar, aperfeiçoar e implementar instrumentos normativos e econômicos para controle do desmatamento 12.11. PEC, Projetos de lei ou outros atos legais relevantes para prevenção e controle do desmatamento e incêndios florestais apresentados 12.11.1. Realizar articulação para aprovação do Projeto de Lei do Senado Federal nº 1.818/2022, que trata da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, e aprimorar a normatização infralegal afeta ao Manejo Integrado do Fogo.
12.11.2. Revisar dispositivos da Lei de Crimes Ambientais, do Código Florestal e do Decreto

n. 6.514/2008 para aumentar as penas e a punibilidade relacionadas aos crimes ambientais contra a flora, inclusive os incêndios florestais.

12.11.3. Aprovar a PEC n. 504/2010, que institui o Cerrado como patrimônio nacional, e definir uma legislação específica para o uso sustentável, a conservação e a recuperação do bioma.
12.11.4 Realizar articulação para advocacy do Projeto de Lei complementar 150/2022 que que instituí a Política Nacional de Bioeconomia junto às organizações da sociedade civil e com o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio)
12.11.5 Realizar articulação para advocacy do Projeto de Lei 1457/2023 na Câmara dos Deputados que altera a Lei nº 12.512 de 2011, para ampliar o Programa de Apoio à Conservação Ambiental junto às organizações da sociedade civil e com o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio)
12.12.4 Realizar articulação para advocacy do Projeto de Lei 1506/2022 que altera a Lei 14.119/2021 para permitir que sejam destinados a ações de pagamentos por serviços ambientais os recursos decorrentes da conversão de multas simples junto às organizações da sociedade civil e com o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio)
12.12.5 Realizar articulação para advocacy do Projeto de Lei 3962/2019 que trata sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade junto às organizações da sociedade civil e com o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio)
12.13. Mercado brasileiro de redução de emissões (MBRE) regulamentado 12.13.1. Regulamentar o mercado de carbono no Brasil, definindo regras e padrões de operação.
12.13.2 Realizar articulação para advocacy do Projeto de Lei 2229/2023 que trata sobre a regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE junto às organizações da sociedade civil e com o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio)
12.13.3 Realizar articulação para advocacy do Projeto de Lei 412/2022 que trata sobre a regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE junto às organizações da sociedade civil e com o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio)

 

 

 

Fases
O Governo Federal lançou a 1ª Fase do PPCerrado (2010-2011) em meio às discussões do Plano Nacional de Mudanças Climáticas e das ações apresentadas pelo Brasil na COP 15 em 2009. Nessa fase as ações eram distribuídas em quatro eixos: Áreas Protegidas e Ordenamento Territorial; Monitoramento e Controle; Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis; e Educação Ambiental.

 

Em sua 2ª Fase (2014-2015), o eixo de Educação Ambiental deixou de existir, ainda que ações afetas à temática se encontrassem presentes nos três outros eixos. Na 3ª Fase (2016-2020), além da manutenção dos três eixos das fases anteriores, foi criado um eixo para reunir os esforços de elaboração de normas e de instrumentos econômicos, fiscais e tributários que possam contribuir para o combate ao desmatamento em todas as suas dimensões, tanto da prevenção quanto do controle. Tal eixo agregava iniciativas inovadoras correlatas aos demais eixos, mas, especificamente, para tratar da elaboração dos atos normativos e econômicos associados.

 

Cerrado
O bioma ocupa 23,3% do território nacional e está presente em todas as regiões brasileiras, cobrindo partes dos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Bahia, Piauí, Maranhão, Rondônia, Pará, Tocantins e Distrito Federal (IBGE, 2019). É detentor de ecossistemas distintos, com uma presença forte de povos e comunidades tradicionais que fazem o manejo de produtos da sociobiodiversidade.