A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), uma das grandes convenções assinadas na Rio-92, é um instrumento multilateral que contribuiu significativamente para colocar o tema biodiversidade nas agendas políticas e socioambientais do países. Trouxe também, à época, contribuições importantes, como o reconhecimento do uso sustentável como estratégia de conservação da biodiversidade e do relevante papel do conhecimento de povos indígenas e comunidades locais para a manutenção da biodiversidade. Essas ideias, bastante difundidas no presente, ganharam um impulso fundamental com a CDB. Outras, como a repartição dos benefícios oriundos do uso da biodiversidade permanecem desafios para os países e para a própria Convenção.
Apesar de sua importância inicial, a CDB vem perdendo espaço e certamente um dos motivos é sua baixa implementação. Os compromissos assumidos pelos países, voluntários e não mandatários, não vêm sendo cumpridos e as taxas de perda de biodiversidade seguem crescendo.
Um novo marco global de biodiversidade, conhecido como Marco Global de Kunming-Montreal da Diversidade Biológica, foi aprovado na última COP (decisão 15/4) da CDB. Esse novo marco possui 23 metas a serem cumpridas até 2030 e é bastante amplo. Ainda assim, não foram concebidos novos instrumentos que permitam dar um impulso à implementação da Convenção. Ou seja, trata-se de mais uma tentativa de implementar uma convenção que vem amargando fracassos sucessivos. As últimas metas, conhecidas como Metas de Aichi, que deveriam ser implementadas até 2020, não foram executadas e a perda de biodiversidade segue, sem sequer que seu ritmo seja desacelerado. Esse novo marco é possivelmente a última oportunidade de implementação dessa Convenção.
Diante desse cenário, torna-se relevante criar condições favoráveis para sua implementação no Brasil, principalmente engajando a sociedade civil e os movimentos sociais em um esforço de incidência, novas propostas, participação, cobrança e controle social. Não haverá, porém, chances de sucesso sem o envolvimento de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, que vivem em seus territórios e dominam as mais importantes estratégias de conservação e uso sustentável da biodiversidade. Não haverá, tampouco, possibilidades de êxito sem compromissos firmes daqueles que destroem sistematicamente a biodiversidade, com o objetivo, pelo menos, de eliminar o desmatamento, reduzir a degradação ambiental e o uso de agrotóxicos.
O Brasil está, nesse momento, preparando uma nova Estratégia e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB), aderida às metas do novo Marco Global de Biodiversidade. Apesar de ser a terceira Estratégia Nacional de Biodiversidade que o país prepara, seu processo de elaboração padece dos mesmos males das anteriores, assim que dificilmente ela terá melhores resultados.
A próxima COP, a décima sexta, a ser realizada em Cali, na Colômbia, entre os dias 21 de outubro e 1º de novembro de 2024. Nessa ocasião, os países devem apresentar seus avanços na construção de suas novas estratégias nacionais e decisões importantes sobre o novo programa de trabalho sobre o artigo 8j e outras provisões da CDB relacionadas com povos indígenas e comunidades locais, bem como sobre o mecanismo de repartição de benefícios ligado ao acesso às sequências digitais, serão tomadas.
Ao mesmo tempo em que a COP16 se aproxima, a crise da biodiversidade se aprofunda: espécies desaparecem, ecossistemas são destruídos, a mudança do clima agrava o cenário, tudo isso em um ritmo cada vez mais acelerado, com consequências imprevisíveis.
Essa série, Contagem regressiva, é uma tentativa de mostrar em 10 textos como a biodiversidade está em xeque, como a sociobiodiversidade continua não sendo valorizada como pilar obrigatório de qualquer estratégia de conservação da biodiversidade e como o sistema que persiste destruindo as paisagens naturais segue dando as cartas.