Levantamento ÓSocioBio traz iniciativas da COP30 com impactos para a sociobioeconomia

Instituições que compõem o Observatório e participaram da Conferência do Clima destacam os principais encaminhamentos e anúncios feitos em Belém que terão desdobramentos para a agenda das economias da sociobiodiversidade

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em Belém, chegou ao fim em 22 de novembro, após 13 dias de negociações. O encontro gerou encaminhamentos com impacto significativo em diversas frentes e de longo prazo. O Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (OSócioBio) e as organizações de sua rede propuseram e participaram de uma série de debates, fortalecendo o protagonismo das economias praticadas por indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e pequenos produtores dentro da agenda climática.

Com a ausência, no documento final da COP30, da agenda de transição para longe dos combustíveis fósseis – principais causadores das emissões dos gases de efeito estufa do planeta – e com a insuficiência de recursos destinados ao financiamento climático, os desafios da agenda socioambiental se amplificam. 

Apesar desse cenário, foram observados avanços determinantes para os povos e comunidades tradicionais, tanto no Pacote de Belém (documentos e acordos da COP30) quanto nos anúncios do Governo Federal e nas mobilizações da sociedade civil. 

Entre esses avanços destacam-se: a inclusão explícita de afrodescendentes nos textos centrais da conferência, um fato inédito; o anúncio, por parte do Governo Federal, da demarcação de terras indígenas; a maior participação dos povos tradicionais na Zona Azul (espaço oficial de negociações) e na Zona Verde (área aberta à sociedade civil).

Para além desses espaços, uma grande diversidade de rostos e vozes deu força à Cúpula dos Povos e à Aldeia COP e a manifestações como o Porongaço – promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)  – e a Marcha Global pelo Clima.

As mobilizações indicam que quem vive e produz nos territórios continuará sua resiliência ancestral em busca de protagonismo e reconhecimento de suas culturas e práticas produtivas, que compõem as economias da sociobiodiversidade. 

Com seus modos de vida, eles produzem fartura e, ao mesmo tempo, preservam as paisagens, promovendo a regulação climática. Nada mais coerente que sejam fortalecidos na COP30 e nas demais conferências que estão por vir, indicando aos governos a necessidade de políticas públicas que reconheçam a sua importância e, ainda, a sua vulnerabilidade frente aos eventos extremos. 

O ÓSocioBio, dentro de seu propósito de acompanhar e atuar pela adequação de políticas públicas que fortaleçam as economias da sociobiodiversidade, realizou o levantamento de alguns dos principais anúncios e encaminhamentos da COP30 que terão impacto na agenda das Economias da Sociobiodiversidade no pós-COP. Veja abaixo: 

Demarcação de terras indígenas 

No contexto de Belém, sede da Conferência sobre Mudança do Clima, o Brasil colocou o reconhecimento territorial no centro de sua estratégia climática. O Governo Federal homologou quatro terras indígenas, assinou dez portarias declaratórias e aprovou seis Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCID) pela Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai). A demarcação é, sobretudo, uma garantia de direitos, mas ganha um contorno de política climática devido à sua eficácia comprovada na proteção florestal.

Governo do Brasil avança na demarcação de dez terras indígenas 

Governo marca COP30 com maior avanço nas demarcações em quase 20 anos

 

Afrodescendentes

Pela primeira vez, desde o início da conferência, os textos centrais de uma COP  fizeram menção explícita a Afrodescendentes. Os documentos de Transição Justa, Plano de Ação de Gênero e Objetivos Globais de Adaptação trazem o termo, assim como o Mutirão, documento político da presidência da COP. Com esse passo, a COP30 reconhece que as populações afrodescendentes são as mais afetadas pelas mudanças climáticas, abrindo espaço para políticas públicas específicas.  

Menção a afrodescendentes é legado histórico da COP30

 

Fundo Florestas Tropicais para Sempre

O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) lançado na Cúpula do Clima, que antecedeu a COP30, fará pagamentos a países que garantam a conservação dessas florestas. No total, mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais poderão receber os recursos. Ao realizar pagamento por florestas em pé, protegidas de desmatamento e degradação em biomas como a Mata Atlântica, a Amazônia, as florestas da Bacia do Congo e do Mekong/Borneo, o TFFF reconhece serviços ambientais fundamentais prestados por estes ambientes em todo o mundo e sua importância para a sustentação de atividades econômicas.

Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) propõe novo modelo de financiamento para conservação

 

Financiamento climático

As decisões aprovadas no Pacote de Belém incluem o compromisso de triplicar o financiamento da adaptação até 2035 e a ênfase na necessidade de os países desenvolvidos aumentarem o financiamento para nações em desenvolvimento. As partes concluíram o Roteiro de Adaptação de Baku, que aprova e estabelece o trabalho para 2026-2028, até o próximo Balanço Global do Acordo de Paris.

COP30 aprova o Pacote Belém

 

Meta Global de Adaptação

A COP30 definiu 59 indicadores voluntários para monitorar o progresso sob a Meta Global de Adaptação. São indicadores que envolvem setores como água, alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência. Todos integram questões transversais como finanças, tecnologia e capacitação. Dessa forma, os países terão uma base comum para monitorar e comparar suas estratégias de adaptação a eventos climáticos extremos.

Entenda o Pacote de Belém; que inclui 29 documentos aprovados na COP30

 

Prospera Sociobio 

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) lançou, durante a COP30, o Prospera Sociobio, que traz diretrizes do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio) a serem executadas nos territórios, com foco em povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares. Foram apresentados os primeiros passos do programa, incluindo parceria de R$120 milhões para iniciar seis Núcleos de Desenvolvimento da Sociobioeconomia na Amazônia.

MMA lança Prospera Sociobio e anuncia parceria de R$ 120 milhões para impulsionar sociobioeconomia

 

Funai e MDS aportam recurso no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) assinou, durante a COP30, o novo Plano de Trabalho do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para a Terra do Meio (PA), com uma inovação importante: a Funai passa a aportar recursos no programa, garantindo a continuidade da ação dos povos indígenas, e o MDS destina recursos para atender reservas extrativistas. A Funai informa que o modelo pode ser aplicado em outros territórios.

COP 30: Conab, Funai, MDA e MDS assinam PAA para a Terra do Meio e anunciam R$ 2,6 milhões na produção de alimentos da agricultura familiar

Anúncios de políticas na COP30 reconhecem povos da Terra do Meio (PA) como guardiões da floresta

 

Piloto de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) 

O Governo do Pará, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Rede Terra do Meio assinaram, durante a COP30, o contrato de projeto-piloto de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) na região da Terra do Meio (PA), com previsão  de investimentos de US$3,5 milhões. O próximo passo é a implementação do plano de engajamento, consulta e mobilização para a elaboração do projeto-piloto, que pode apoiar uma política nacional. O objetivo é reconhecer o papel dessas populações na preservação da floresta e fomentar modelos sustentáveis de desenvolvimento nos territórios coletivos.

Pará firma parceria internacional para beneficiar comunidades da Terra do Meio com ações de conservação e geração de renda

 

Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Nacional (Sipan)

Durante mesa promovida pelo Eixo Economias da Sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) informou que está elaborando a legislação para reconhecimento dos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Nacional (SIPAN). Atualmente, esse reconhecimento se dá por meio da FAO, que reconhece os Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM). O novo processo pode desburocratizar o reconhecimento, abrindo espaço para políticas públicas adequadas aos territórios. 

Povos cobram na COP30 políticas para reconhecimento de seus sistemas agrícolas e de conhecimentos

 

Rede Diálogos Pró-Açaí

O evento Açaí, Floresta e Clima, na COP30, marcou o lançamento do Policy Brief “Sociobioeconomia e açaí: recomendações para a resiliência climática e justiça socioambiental na Amazônia”, documento construído ao longo de um ano pelo Grupo de Trabalho de Sustentabilidade do Diálogos Pró-Açaí, com sete eixos estratégicos para fortalecer a cadeia do açaí frente às mudanças climáticas. Entregue ao poder público durante o encontro, o material poderá servir como base para a incorporação de ações concretas em programas governamentais e políticas de sociobioeconomia no período pós-COP30. Entre os encaminhamentos sugeridos pelo documento está ampliar a integração entre governo, cooperativas e setor privado, fortalecer linhas de financiamento, investir em pesquisa e inovação para sistemas produtivos resilientes e promover a implementação das recomendações nos territórios amazônicos, consolidando o açaí como vetor de justiça socioambiental e resiliência climática. O Instituto Terroá é responsável pela secretaria executiva da rede Diálogos Pró-Açaí. 

Sociobioeconomia e açaí: Recomendações para a resiliência climática e justiça socioambiental

 

Redes pela Conservação

A secretária-executiva da Rede Cerrado, Ingrid Silveira, participou do lançamento do programa Prospera Sociobio, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA),  durante a COP30, e apresentou dados preliminares de um estudo do projeto Redes pela Conservação que mostram o potencial econômico das cadeias produtivas do Cerrado: o baru movimentou cerca de R$ 200 milhões em 2024, seguido pelo pequi (R$ 25 milhões) e pelo babaçu (R$ 10 milhões). Segundo ela, esses números evidenciam que a sociobioeconomia representa renda, conservação e dignidade. Ela destacou a importância de ampliar o olhar para além da Amazônia e reconhecer a relevância dos demais biomas brasileiros, lembrando que o Cerrado é “o coração do Brasil”, por pulsar água para diversos territórios do país e do continente sul-americano.  

Projeto Redes pela Conservação é lançado durante a COP30

 

Mobilização social 

O Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) realizou uma ampla mobilização durante a COP30, em Belém (PA). Entre os principais marcos estiveram o Porongaço dos Povos da Floresta, que reunir cerca de mil pessoas pelas ruas de Belém, e a entrega da Carta das Populações Tradicionais Extrativistas às ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, reforçando o papel desses povos no enfrentamento da crise climática. O CNS também celebrou seus 40 anos com o lançamento de um livro e ações simbólicas.

Mobilização na COP30 destaca a importância das comunidades extrativistas no combate à crise climática

 

Culinária, arte e sociobiodiversidade

O time de sociobiodiversidade do WWF-Brasil atuou na COP30 para a promoção de soluções inclusivas e territoriais que conectem conservação, produção e bem-estar, com a produção de dois encontros na Casa da Sociobio, com organizações parceiras. O painel Unindo iniciativas, multiplicando oportunidades contou com o pré-lançamento do livro de receitas “Culinária à Brasileira: receitas com ingredientes da sociobiodiversidade”, fruto da parceria entre WWF-Brasil, a IKEA, parceiros territoriais, chefs e nutricionistas. O objetivo é aproximar as pessoas da sociobiodiversidade por meio da alimentação. Também foi realizado o painel Unindo arte e conservação – inspiração das Jalapoeiras Apuradas. Artesãos da região do Jalapão (TO), o designer Marcelo Rosenbaum e parceiros da cooperativa Central do Cerrado apresentaram como a criatividade e a identidade, conectando conservação, geração de renda e orgulho comunitário, podem contribuir para a conservação do bioma Cerrado. 

Boletim COP30 WWF

 

Ampliação do espaço da sociobioeconomia na agenda climática 

A ampla participação da rede ÓSocioBio na COP30 foi fundamental para fortalecer e ampliar o protagonismo das economias da sociobiodiversidade frente à produção convencional e na agenda climática. Um dos exemplos vem da Copabase –  Cooperativa Regional de Base na Agricultura Familiar e Extrativismo Ltda. A cooperativa divulgou seus produtos e trabalho, mostrando a importância de suas práticas para a conservação do Cerrado e dialogando sobre questões climáticas. A expectativa é que essa representatividade gere ações concretas e que os recursos cheguem às comunidades tradicionais, que são essenciais para a conservação dos biomas brasileiros. Um legado essencial da COP30 é consolidar as economias da sociobiodiversidade – o trabalho artesanal, os sistemas produtivos, os conhecimentos tradicionais – como um caminho para as futuras gerações frente aos desafios da emergência climática. 

Cooperativa Regional de Base na Agricultura Familiar e Extrativismo

 

Restaurante da Sociobio

Localizado na Zona Azul, no Centro de Convenções Hangar, o Restaurante da Sociobio ofereceu alimentação saudável durante a COP30, por preço justo. A refeição completa, incluindo suco e sobremesa, saía a R$40. Cerca de 80% dos alimentos que compuseram o cardápio eram agroecológicos e oriundos da agricultura familiar. A iniciativa é uma parceria entre a Central do Cerrado e a Rede Bragantina, ficando como exemplo de iniciativa para fortalecimento da agricultura familiar e tradicional.

Na COP30, agricultura familiar alimenta o mundo e simboliza o elo vital entre clima, terra e gente

Copabase na mesa da COP30: Sucesso do Restaurante da Sociobio

 

Foto: Divulgação